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Das Viagens

Viajar devia de ser como o sonho: uma constante da vida. Aqui trago relatos apoiados numa visão muito pessoal do prazer de cirandar por aí.

Viajar devia de ser como o sonho: uma constante da vida. Aqui trago relatos apoiados numa visão muito pessoal do prazer de cirandar por aí.

Das Viagens

04
Mar17

TAILÂNDIA - PARTE SEGUNDA

Eduardo Gomes

(Continuação)

 

Também li que eram simpáticos, os tailandeses. Não o consigo confirmar, para já. Se nos dois géneros se detecta a apetência por falar alto, as mulheres demonstram níveis de agressividade, mesmo física, que vão para além do aceitável. No Grande Palácio, nos barcos de transporte público, empurram tudo e todos. E se ripostamos, fulminam-nos com o olhar. Os trocos também são alvo da chico-espertice: não têm, nunca têm e ponto final. Na bilheteira do Wat Pho, um cartaz informa da sua inexistência e “exige” o pagamento certo: 100 bath. Quando se apresenta uma nota de 500 para pagamento de duas entradas, e apesar do enorme monte de notas de 100, recusam dar troco ou só o fazem debaixo de grande insistência... aos gritos e com total falta de respeito pelo visitante que é a razão deles ali estarem. O recurso a todo o tipo de manhas para enganar turista é recorrente naqueles que lidam connosco. Melhor será conhecerem-se as moedas, notas e custo prévio do que se pretende adquirir, mesmo que serviços oficiais, caso contrário entra-se numa discussão, e aí até os arremedos de inglês eles esquecem, para tratar os turistas abaixo de cão na língua própria. Não se vêem autoridades a quem recorrer, e também esse não deverá ser o espírito de quem viaja. Gostaria que o tempo que por estas terras irei ficar se encarregue de me esclarecer que estava equivocado, porém, para já, afirmo que não, não senhor, os tailandeses não são simpáticos, são antes vigaristas se lhes dermos a oportunidade, e focados na exploração do turista, tanto quanto se vê em Cuba ou outro qualquer país das Américas central e do sul, em África ou mesmo na Turquia, regiões do mundo que conheço. Uma outra vertente transversal a quase todos é a incapacidade de falarem inglês. Menos nos hotéis e mais nas ruas, obviamente. Não vale a pena solicitar qualquer esclarecimento. É dumas tirar outras e ir por si.

 

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Nem no hotel retirei as dúvidas existenciais. Tanta consideração faz desconfiar, sobretudo a partir do momento em que o hóspede é quase compulsivamente empurrado para dar gorjeta. Ao recepcionista que me conduziu tão gentilmente ao quarto, coisa de que não necessito, fui obrigado a remeter para mais tarde a cortesia, quando os seus olhos não largavam o maço de notas chorudas que acabara de cambiar. Querias! Como não primam por uma educação esmerada, um outro colega trouxe-me ao quarto duas almofadas que solicitara em troca das que possuía, às quais apontei o facto de serem altas e duras. Solícito, o jovem apareceu com dois trangalhos que mais pareciam pneus dum jipe com tracção às quatro rodas. Quando lhe pedi que mas deixasse experimentar, irrompeu pelo quarto adentro, vendo o que não devia ver. A Tânia, de tão cansada, não conseguiu sentir-se chocada. Valeu-lhe a rapidez com que se cobriu com o lençol. Ah, é verdade, já me esquecia: tiveram de vir novas almofadas. Uma servia; outra não. É o custo da impreparação profissional.

Vamos agora aos restaurantes, todos escolhidos por nós, previamente e a dedo, debaixo de critérios rigorosos, que têm a ver com a qualidade da comida e a recusa terminante a tudo o que seja gourmet ou luxo ostentativo. O primeiro daqueles, o Prachak Roasted Duck, era do tipo popular entre os tailandeses. Barato, o pato cantonês, assado e fatiado, pedia meças a tudo o que antes conheci na área das aves gralhadoras. De negativo o facto de, apesar de chinês, o bicho ter uma certa doçura e ser servido em pouca quantidade, apesar de requerido meio pato para dois. O serviço era o possível, com um sorriso inescrutável nos lábios. Pormenor interessante o facto das mesas estarem abertas a novos comensais. Estivessem as disponíveis completas, e logo desconhecidos eram para as outras encaminhados. Venha de lá um cumprimento, mesmo que de ocasião, e por gestos nos entenderemos... ou não, pois vi um par de turistas levantar-se de imediato, ceder o respectivo lugar e abandonar o restaurante.

O segundo, o Jin Chieng Seng by Inn a Day, tem outras pretensões. Come-se, sob conselho, Pad Thai e Pa Nang Curry. O primeiro daqueles é confeccionado com massas e camarão; ao segundo corresponde caril de frango com arroz branco. Calma, a fome ainda demora algum tempo até sobrevir. Façam-se votos para que o jantar seja melhor. Não seria. À noite, no Harmonique, restaurante eminentemente turístico, mais que não seja devido ao preço relativamente elevado, comeu-se caril de caranguejo com arroz, bem apaladado para quem gosta, espetadas de frango idênticas às que na rua custam 7 bath cada, e peixe, supostamente uns pedaços de dourada, com frutos do mar – um ou outro camarão e algumas delícias de caranguejo – tudo ao vapor e temperado com ervas a saber a limão. Uma sensaboria.

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O primeiro dia em Bangkok foi consumido com as visitas ao Palácio Real, que inclui o Templo do Buda Esmeralda e ao Wat Pho, conhecido pelo Buda deitado ou reclinado; no bem-bom, diria eu, pela posição e facies da peça em questão. O Palácio Real custa a módica quantia de 500 bath por pessoa e, tenho de admitir, é uma extraordinária fonte de rendimentos e um não menor sucesso de marketing. Vale a pena? Vamos por partes. “Ninguém” vai a Bangkok sem visitar o palácio. Trata-se de uma área com muitos edifícios de arquitectura sublime, tipicamente thai, segundo o que é dado ler ao visitante. Seria belo se... Pois, não há bela sem senão. Seria fantástico observar tantos monumentos com a calma que requerem, sem a canícula que às dez horas da manhã já se faz sentir, e, sobretudo, sem turistas aos magotes, maioritariamente grupos de asiáticos que entram e saem de todo o lado; que não param de tirar fotografias a tudo o que mexe e não mexe; que adoptam posturas fotogénicas “hollywoodescas” em frente a tudo; que empurram quem quer que tenha a desdita de se intrometer na linha direccional formada por aquelas serpentes em movimento. 

 

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Tudo é anárquico no Palácio. Não existem directivas quanto às orientações da visita. Entra-se, e é cada um por si, todos ao monte e fé em Deus... ou Buda. Para contrapor ao suor que começa a escorrer pelo rosto, recorre-se às ventoinhas que em alguns dos edifícios estão ao dispor dos empregados que por ali vigiam qualquer desrespeito às regras. E quais são estas? Para os homens: calças compridas; para as mulheres: ombros, peito e pernas tapados. Para eles, sem remissão; para elas, disponibilizam-se túnicas salvadoras de tanta exposição carnal. Como os bilhetes se adquirem sem aviso prévio, ficamos sem saber o que acontece se um homem aparecer de calções. Norma complementar inclui descalçar-se antes de entrar nos templos. Justifica quem sabe, que tal se deve ao facto da religião budista crer serem os pés a componente mais ímpia do corpo humano. Simbolismos à parte, assiste-se a uma verdadeira porcaria em três actos: primeiro ao descalçar; depois ao caminhar; e, por último, ao voltar a calçar. Os pés ficam negros do contacto com a sujidade do chão; maculam o suposto solo sagrado; regressam imundos aos sapatos. Uma chavasquice perfeitamente evitável, ao equacionarmos o que seria a vida do homem se, em outras áreas que não a religiosa, continuasse a adoptar procedimentos milenares completamente desajustados à era contemporânea. E não me refiro somente ao budismo, mas também ao mundo muçulmano com as suas hipocrisias quanto ao corpo humano, ou ao cristianismo com a subserviência do acto litúrgico dominical, em que marionetas são convidadas a sentar, levantar, ajoelhar, como se Deus – a existir – exigisse que os seus filhos tivessem de recorrer à genuflexão para com Ele conversarem. Mau seria para o diálogo em família.

 

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Voltemos ao que visitei. Gostei particularmente do templo do Buda Esmeralda, algo assim à semelhança da Capela Sistina, no Vaticano. Aos chut!, com que na última se admoestam os visitantes que ousam sussurrar, opõem-se na primeira as ordens estritas dos funcionários para que se tirem bonés, se sentem pelo chão, recolham as pernas e, acima do mais, não tirar fotos. A um oportunista foi mesmo apagado o respectivo registo no Ipad... como se não existissem milhares de fotografias pela net e em tudo o que respeita ao templo em questão. A título de compensação, pensemos na confusão que se instalaria se aos asiáticos fossem permitidas as chapas. Uma proposta: fotografias, sim, todavia só aos europeus... É que somos mais discretos.

A espiritualidade, coisa da fé e da alma, não se sente que possa ocupar lugar num espaço assim, por muitas velas e flores que sejam depositadas na base do monumento. Melhor perspectiva da cultura thai se tem no museu para o qual se adquire bilhete sem aviso prévio, e que, simplesmente, “não” é visitado: porque as pessoas estão cansadas; porque não gostem de áreas museológicas; porque ali se pactua com o silêncio, a calma e a reflexão. Fica-se então a saber que o Buda possui três tipos de traje: para a chuva; para o frio; para o calor. Só ao rei é permitida a mudança de vestimenta e muito ocupado ou doente andará, pois com quase 40º de temperatura, o pobre Buda deve estar a suar em bica. Isto a observar pela roupa que usa.

Ao fim do primeiro dia, um oásis no meio do deserto de tanta antipatia: vendo-nos indecisos no pier sobre o barco a tomar, uma jovem propôs-se ajudar: “Só por esta já não os destruo a todos!”, disse Ele há muito tempo, a propósito de Sodoma.

 

(Continua)

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