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Das Viagens

Viajar devia de ser como o sonho: uma constante da vida. Aqui trago relatos apoiados numa visão muito pessoal do prazer de cirandar por aí.

Viajar devia de ser como o sonho: uma constante da vida. Aqui trago relatos apoiados numa visão muito pessoal do prazer de cirandar por aí.

Das Viagens

07
Mar17

TAILÂNDIA - PARTE QUINTA

Eduardo Gomes

 (Continuação)

 

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Também nós tivemos de abandonar pelas mornas o aldeamento de Chiang Rai. A curiosidade esteve em o motorista ver-se obrigado a ligar o taxímetro, exigência que propusera no hotel. Fê-lo. Marcou 61 bath, verba à qual acrescentou 20 de utilização do espaço do aeroporto. O valor é, ainda assim, infinitamente inferior a tudo o que até ali víramos.

A viagem até Kho Samui levou muitas horas, fosse porque incluía uma morosa escala em Bangkok, ou porque os aviões se atrasassem.

Do aeroporto internacional pode-se – com sincero esforço – admitir que tem o glamour próprio das ilhas do Indico: uma enorme palhota onde a empregada da limpeza entra portas adentro da casa-de-banho dos homens sem mais nem porquê. Calcule-se a qualidade dos mictórios e sobretudo a privacidade – ou a falta dela – que provocam, e imagina-se que à mulher muitos formatos e tamanhos de pirilaus se lhe tenham propuosto ao olhar. No pequeno hall uma funcionária alertava para o procedimento com os transportes, isto é, para com o exclusivo daqueles. Táxi? Não havia. Era óbvio por onde ia começar a dependência do turista. Nalguns lados é pela comida; ali, na ilha, era pelos transportes. Quem fosse estrangeiro levava logo com a tabela mínima: 500 bath. A alternativa eram as mini-bus: tudo ao monte – pessoas e bagagens, entenda-se – por 230 bath. Comprovaríamos a tese, pouco depois, à chegada ao hotel. Ali, o respectivo shuttle custa 280 bath para ir ao lugarejo mais cerca.

Provera que o voo demorasse mais umas duas horas, e ficaríamos na dúvida acerca do local onde chegáramos: Postais ilustrados com praias de água serena? Areia dourada? Palmeiras protectoras? Onde estavam? Chegáramos a Porto Galinhas! E pior: sem a simpatia das gentes brasileiras.

Apesar da vocação turística da ilha, em nada melhorou o conforto em relação às cidades continentais, e, para não me repetir, vamos em frente. Quiçá pela dificuldade em encontrar bombas de venda de combustíveis, por todo o lado se vendem garrafas de gasolina ao dobro do preço de tabela. Suponho que se destinem aos turistas incautos, em situação de aflição com o abastecimento do depósito das motas que na ilha alugam.

 

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Um pequeno passeio pela beira-mar mostra-se sintomático: a praia está cheia de lixo e, em muitos casos, perigoso. Pedaços de vidro, restos aguçados de azulejos ou fragmentos cortantes do que foram utensílios de barro, latas velhas e ferrugentas de refrigerantes, agora reciclados berços de bivalves devido ao vaivém do mar, oferecem-se vorazes aos nossos pés. Em frente a um hotel de cinco estrelas, três motas de água e um barco ancorado à altura da cintura humana exibem-se ao visitante desejoso de um passeio pelo mar. A presença – potencialmente perigosa – em redor dos banhistas, bem como o cheiro a gasóleo, parecem não incomodar ninguém.

 

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Beleza só ao longe, nariz bem levantado para limitar o horizonte visual e impedir percepções olfactivas menos agradáveis. As excepções correspondem a alguns recantos dentro dos resort, onde uma ou outra pequena queda de água artificial traz à mente a visão duma cachoeira. A água do mar é quente, demasiado para o meu gosto e hábitos estorilistas. Ainda assim, aceito que preencha o sonho, sobretudo do género feminino, para quem toda a água é fria, à excepção da que sai dos esquentadores a 37º. Ao contrário da bruma que nos envolveu em todos os anteriores locais, aqui o céu, apesar de instável, admite leves pinceladas de azul.

 

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Dos dias passados em Koh Samui, um sobressai: a visita ao parque nacional de Ang Thong, cujo acesso só é possível através de excursões organizadas, ou seja, custa “uma pipa de massa”. O cruzeiro é demorado, quatro horas no trajecto, divididas entre ida e volta, e, sensivelmente, outras tantas em actividades algo repetitivas. A primeira paragem tem lugar algures no golfo do Sião, onde o grupo é dividido em dois para que todos possam experienciar a viagem de caiaque. Passa esta por dar uma volta de grande beleza natural por entre vários rochedos e canais abertos naqueles. Pouco felizes nas manobras, os condutores vão chocando com os respectivos veículos, tal qual carrinhos de choque em feira popular. A Tânia segue no lugar em frente. Fanfarrona, pergunta-me se sei conduzir um caiaque. Quer liderar, toma o assento dianteiro. Postado mais atrás vou-lhe corrigindo os movimentos e imprimindo alguma velocidade ao barco por modo a não ficarmos perdidos na cauda do grupo. Torna a cabeça, mira-me desconfiada quando vê que tenho o remo livre, parecendo simplesmente deixar-me levar. Parede em frente; a Tânia rema na sua direcção: – Pára! Pára de remar!, digo enquanto, com o remo, cio. Debalde: o caiaque atingira velocidade irrecuperável, até porque a mulher me anulava o esforço... pum! – A culpa é tua que fazes balancear a embarcação!, ressalva. Claro! Conduz tão mal um caiaque quanto o faz com um carro. Vale que nada de mais aconteceu.

 

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Logo após o almoço, o frango mais picante que alguma vez se me propôs comer, acompanhado duma papa de arroz que o comandante mexia com o que parecia ser um sucedâneo dos remos anteriormente usados, chegámos em frente a uma pequena enseada. Quem quisesse podia de novo ir passear-se em caiaque, proposta recusada por quase todos. Sigamos então via uma pequena embarcação para o dito local, com o objectivo de visitar uma lagoa que não consigo identificar. Surpreende-me o comandante por, durante a explicação da actividade a encetar, aludir várias vezes à necessidade de levar dinheiro: money... geld... geld... money... e dali não saía. É que não levara nem um bath comigo. Que diabo, depois da fortuna que o bilhete tipo “tudo incluído” havia custado, porque raio precisaríamos de metálico num pequeno ilhéu deserto, questionei-me e questionei-o: “Que podíamos ter sede face ao esforço da subida que iríamos efectuar”, respondeu vivamente incomodado com a questão. “É que há lá uma barraca de venda de bebidas”, acrescentou. Retorqui que não percebia tanta insistência sobre necessidade tão enfaticamente repetida, e, já em português, rematei “Já percebi: é a comissãozita da prache! Para que raio vou pagar bebidas se as tenho de borla no barco?” Repita-se que não entendo que, com tantas restrições ao seu acesso, a direcção de um parque nacional conceda licenciamento para instalar um barracão num local paradisíaco. Avancemos.

 

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A ida à lagoa faz pensar antes de alguém a tal se afoitar. É que implica subida extraordinariamente íngreme por uma longa série de segmentos de escadas, cujos degraus, desguarnecidos, não possuem mais de quinze centímetros de largura: e sempre a pique. O suor escorre em bica quando se atinge o miradouro. A partir dali um outro caminho leva-nos à ao nível da lagoa: – Vamos, que se há-de fazer se já aqui estamos!?, proponho. – O pior é que se agora vamos para baixo, certamente teremos que cá voltar acima – diz a Tânia ainda sem suspeitar do que lhe aconteceria. Fomos, praticamente sozinhos. O grupo assustara-se e debandara em recuo acelerado. Tiradas as fotos da ordem, descansada mente e espírito perante aquela dádiva da natureza, inicie-se a nova escalada:

– Ai que me tremem as pernas. Acho que não consigo subir.

Comecei a pensar se haveria maneira de levar a mulher de volta. Qual quê, é claro que é impossível... Só de helicóptero. Anuncia-se difícil a manobra. Longas passam a ser as esperas a cada novo nível da escadaria:

– Vá lá, faz mais um esforço... É já ali, não vês? – digo, apontando para cima, para o céu.

Faça-se curto o que longo foi, e passemos à compensação: um belo banho de água tépida na pequena baía.

Fim do cruzeiro.

 

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Russos e chineses começam a tomar conta do hotel: aqui estendem roupa pelas varandas – vários pares de ceroulas em pleno Verão, pasme-se –, recorrendo aos cabides da habitação; ali apropriam-se de mesas e cadeiras a esmo; mais além confiscam todas as camas e espreguiçadeiras na praia. Por estar iminente a partida, começo a gerir o dinheiro tailandês, reservando-o para despesas que de outra forma não se conseguem pagar. É com esse pretexto que troco a costeleta de porco grelhada no Panaeng pelo mais sofisticado La Lanterna, restaurante italiano. As massas – que mais se pode pedir num sítio daqueles? – são pobremente servidas; o preço, alto: 930 bath. “Não aceitamos cartões de crédito!”, afirmam. Reclamo. Não há nada a fazer. – E agora?, digo. Busque-se então pelos esconsos e recônditos das algibeiras: novecentos... novecentos e dez... e vinte... e trinta. Restam três bath nos bolsos.

A noite enche-se de pormenores como o de me ter sido recusada a troca de dinheiro por não possuir comigo o passaporte. Estávamos a mil e trezentos metros do hotel. Os olhos da Tânia demonstram estar cansada e, no entanto, estávamos carenciados de bath.

– Ficas aqui, que eu vou ao hotel e já volto – proponho.

Pelo caminho, então feito a só, parecia que me transportara para outro lugar. Travestis de mota paravam para me desafiar; as supostas massagistas revelavam-se em ínfimas mini-saias. É outro mundo, o de um homem de meia-idade sozinho na Tailândia.

Fazer check-out num hotel na Tailândia é uma caixinha de surpresas. A novidade é que depois da taxa de serviço e do IVA, há mais um imposto: a taxa provincial “por ser uma ilha”, justificam. “Construam-lhe um istmo e está resolvido o problema”, respondo sarcástico.

A viagem de regresso a Portugal começa cedo, às quatro e meia da manhã. A primeira contrariedade do dia tem a ver com a impossibilidade de marcar lugar em Samui para os voos internacionais. O operador não tem liberdade de o fazer e faz-nos conformar com o disponível: lugares no meio... péssimo, pior do que na ida. Que tentássemos alterar em Bangkok, propôs. Só que a ligação internacional faz-nos entrar de imediato para a zona de acesso a embarque. Poderíamos sair e voltar para trás, porém a visão dos “quilómetros” a percorrer até à porta E7 é assustadora. Ao nosso lado, gente corre desalmada tentando chegar a tempo aos respectivos voos. As hospedeiras das várias companhias esfalfam-se em mini-maratonas para obrigar os mais calões a despacharem-se. Acelera que o avião não espera, é o mote.

Dentro do aparelho, o inesperado: o boarding encerra e muitos dos melhores lugares, nomeadamente os correspondentes às saídas de emergência, seguem vazios. Na verdade, são três as filas desocupadas. Peço que mos deixem ocupar; “Que logo se vê”, responde a interlocutora. Pois... O problema é que um dos colegas não pensa da mesma maneira e cede os lugares da terceira fila, um da segunda fila a uma jovem e dois a passageiros recuperados de lugares mais atrás na primeira daquelas. “Por que ir falar ao Deus, se conheço o porteiro”, pensei. Vai daí, apanhei a jeito o benemérito, e peço-lhe para mudar: “Que sim, mas só uma pessoa, e tem de ficar num dos lugares do meio. A Tânia acede a quedar-se no espaço inicialmente proposto: “Não te preocupes, que assim eu mudo para o teu lugar inicial e já vou mais à vontade”, acode. Fui para a primeira fila, estendi as pernas e fiquei sem perceber o porquê do lugar no corredor a meu lado ir vazio: “Deve estar reservado para o pessoal de voo”, pensei. Não estava. Logo que possível, solicitei à hospedeira que por perto se sentara, em conformidade com as normas para o levantamento do avião, se poderia sentar no referido lugar a minha mulher que ia algures mais atrás. Não percebeu à primeira, não tenho a certeza que tenha entendido à segunda, e atirou com um qualquer gesto indiciador de que “ se estava nas tintas”. Por essa altura, na segunda fila, a jovem ocupara já os quatro lugares, transformados em cama privada. Viajava refastelada enquanto centenas de pessoas iam como sardinha em lata. A meio da viagem sentiu-se incomodada por um outro passageiro aproveitar uma ida sua à casa-de-banho e vir-se sentar numa das pontas. Com o regresso da menina ao lugar, estalou a discussão. Vá de recorrer aos argumentos do tipo: “Eu já cá estava!”, a que o invasor apelava à igualdade de direitos. E, como não esteve com meias medidas, vá de se deitar ao comprido. Sentindo o perigo de ficar sem cama, a rapariga tenta um trato: “Somos duas pessoas e quatro lugares. Cada um fica com dois, certo?” Ficaram. Porém, cinco minutos depois, eis que a jovem se levanta, assome-se ao corredor e dispara em direcção à frente do avião, donde surge breves minutos mais tarde acompanhada pelo comissário. O invasor tenta explicar as suas razões; a menina, à beira de um ataque de nervos, torna-se malcriada: sacode freneticamente os lugares em redor, agride a senhora da frente para lhe tirar os auscultadores – como se não houvesse centenas deles – por afirmar serem os seus, e consegue o que começou a ser óbvio, isto é, predispor o comissário para o seu lado. Em jeito de juiz, decide aquele que à jovem deveriam caber três lugares e ao invasor um só. O homem avisa-a em jeito de ameaça: “Eu sento-me, mas se me deres com os pés I fuck you a leg! Nada faria. Com a vitória na mão, a jovem provocou o abandono do adversário, que desistiu e voltou para o seu lugar original. A rapariga dormiria a seu bel-prazer o resto da longa noite artificialmente criada pela tripulação que, sem sentido, decidiu apagar as luzes por volta das treze horas, isto é, sensivelmente duas horas após o início do voo. Quando, quase seis horas mais tarde, já noite, as luzes voltaram ao avião, a mulher levantou-se e foi à casa-de-banho. Ficámos surpreendidos com o episódio seguinte. Aconteceu que vendo faltarem toalhetes no compartimento, a jovem deitou a mão ao armário de acesso reservado aos tripulantes, abriu-o revelando conhecimentos para o fazer sem demora, dirigiu a mão direita a local preciso no seu interior, sacou de um pacote, fechou habilmente o compartimento e retomou aos toiletes. Estava percebido o porquê de tanta arrogância e privilégio. Como se vê, na Turquish Airlines, os aviões, apesar de malíssimos, não possuem o monopólio da falta de qualidade. O desrespeito e a desconsideração pelos viajantes fazem parte dos princípios da tripulação.

Ainda mal habituados à maneira de ser turca, tentámos sair do aeroporto, pois, em vez de efectuar outro cansativo voo, havíamos programado passar a noite em Istambul, antes de retornarmos a Lisboa. Mais uma má notícia: os portugueses precisam de um visto para ali entrarem: 50 euros. Chateados por tal não ser recíproco em Portugal para com os originais da Turquia, tentamos pagar com libras inglesas, por não dispormos doutro dinheiro. Recusam com base num dos mais absurdos argumentos que ouvi na minha vida: a nota de 50 libras que o banco em Portugal nos dera, não era válida, por já haver uma nova em circulação: “E daí?, pergunto. “O nosso banco não as aceita!”, aí tens. Qualquer tentativa de contrapor esbarra na estupidez dos funcionários: “Daqui não passam!”. “Não fora o facto de já termos pago o hotel e anteciparia o voo de regresso”, diz a Tânia. Resultado final: a dormida, as taxas e o jantar ficaram-nos em cerca de 150 euros.

O dia seguinte começa com mais uma habilidade turca. Pedi um táxi no hotel para fazer um escasso quilómetro que distancia aquele do aeroporto, posto que não se pode ir a pé. “Quanto custa?”, pergunto para não ter surpresas e não trocar dinheiro em demasia a câmbio de hotel: “Dez liras, mas às vezes os motoristas pedem quinze”, disse o funcionário. Dá-me uma nota de vinte liras por troca a cinco libras inglesas. Coberta a distância atrás referida, o taxímetro acusa 7,60 liras. O taxista pede vinte. “Como, se no hotel me disseram que a viagem custa dez?, insurjo-me. “É para a gorjeta”, ri-se o chulo. “Pois que grande gorjeta queres: do tamanho do custo. Não fazes por menos. Vá, dá-me cinco liras de troco ou não pago!”, impus. Deu, com o sorriso dos canalhas nos lábios.

Contudo, a pior das notícias ainda estava reservada: iria fazer cinco horas de voo no lugar do meio de um apertadíssimo avião. A meu lado, na coxia, um inglês, com idêntica compleição física à minha – 1,85 metros – cruzou os braços. Quando cheguei a Lisboa, acabara de fazer as duas piores viagens da minha vida. Jamais voltarei a voar com a Turquish Airlines!

 

(Continua)

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